A corrida por mercados de previsão já está em pleno vapor. Empreendedores nativos do universo cripto, fundadores de fintechs e pensadores inovadores acreditam ter encontrado o segredo do sucesso. Apostam que criaram a plataforma definitiva capaz de desbancar Polymarket e Kalshi. Já garantiram investimentos, montaram equipes e lançaram interfaces chamativas que prometem melhor experiência, liquidação mais ágil ou nichos ignorados pelos líderes do setor.
Não se trata de pessimismo, mas de lógica matemática. Os efeitos de rede são implacáveis nos mercados de previsão. Sem liquidez, não há operadores; sem operadores, não se forma liquidez. Polymarket já domina em escala entre públicos nativos de cripto. Kalshi detém a liderança regulatória nos mercados de eventos listados nos Estados Unidos. O custo para desbancar qualquer um é colossal. Marketing, questões regulatórias e aquisição de usuários são despesas que se acumulam. Mesmo que um novo player alcance algum sucesso, acabará fragmentando um mercado já estreito. Para plataformas que dependem da profundidade do livro de ordens, isso é fatal.
O próprio histórico de plataformas fracassadas já evidencia o cenário. Poucos lembram dos mercados lançados após as eleições de 2024.
Mas o que realmente deveria chamar a atenção dos investidores de venture capital está além da operação dos mercados. O maior potencial financeiro está na infraestrutura que viabiliza esses mercados.
A trajetória dos mercados financeiros mostra que as grandes fortunas em ações não ficaram restritas às bolsas — embora algumas tenham lucrado. Provedores de dados, clearing houses, fornecedores de infraestrutura, sistemas de vigilância e plataformas de análise em camadas inferiores foram decisivos. A Bloomberg não acumulou bilhões competindo com a NYSE, mas tornando-se infraestrutura indispensável.
Os mercados de previsão percorrem caminho semelhante, embora com atraso de décadas. Atualmente, a camada de infraestrutura é embrionária, fragmentada e pouco eficiente. É aí que reside a verdadeira oportunidade.
Confira os segmentos que merecem atenção dos fundos de venture capital.
Mercados de previsão exigem dados confiáveis e imparciais. É preciso contar com feeds que informem, por exemplo, quem venceu determinada disputa, qual foi o PIB real ou se uma empresa atingiu suas metas. Tudo isso é mais complexo do que parece. Cada mercado demanda fontes distintas, com diferentes níveis de verificação e mecanismos de liquidação para evitar manipulação. Empresas dedicadas à criação de redes de oráculos para mercados de previsão são fundamentais. Elas agregam dados, fornecem provas criptográficas e solucionam disputas. Com o crescimento do setor, a fragmentação dos oráculos se torna insustentável. O vencedor será a infraestrutura que todas as plataformas — inclusive as concorrentes — acabarão usando.
Hoje, a liquidez está dispersa. Um operador experiente pode buscar arbitragem entre Polymarket, Kalshi e diversas outras plataformas. No entanto, não existe um meio eficiente de realizar isso. Desenvolver infraestrutura que permita visualizar livros de ordens de todos os mercados agregaria enorme valor. Traders poderiam executar coberturas simultâneas e gerenciar riscos entre diferentes ambientes. Essa integração é a grande oportunidade de criar o “Bloomberg Terminal” dos mercados de previsão. Todos ganham. A eficiência entre mercados se traduz em spreads mais ajustados e liquidez ampliada para todos.
Com o amadurecimento dos mercados de previsão, pesquisadores, quants e instituições buscarão analisar previsões históricas para identificar padrões e compreender como eventos foram precificados ao longo do tempo. Alguém irá criar o repositório definitivo de dados desses mercados, limpo, padronizado e consultável. Isso se tornará referência para pesquisas acadêmicas, análises institucionais e desenvolvimento de modelos. Trata-se de um negócio altamente rentável e sustentável.
Com o crescimento e sofisticação dos mercados de previsão, é preciso evoluir a infraestrutura de retaguarda. São necessários mecanismos de liquidação mais eficientes, processamento de dados ágil e infraestrutura robusta. Empresas que desenvolvem camada intermediária agregam valor ao conectar mercados a sistemas de clearing, automatizar liquidações e reduzir riscos operacionais. É o “sistema hidráulico” que permite o funcionamento dos mercados modernos.
Com a adoção crescente e avanço regulatório dos mercados de previsão, a complexidade aumenta. Soluções para gestão de relatórios regulatórios são indispensáveis. KYC (Conheça seu Cliente) e AML (Prevenção à Lavagem de Dinheiro) em larga escala são obrigatórios. Detectar manipulação e garantir conformidade entre diferentes jurisdições é essencial. Embora seja uma infraestrutura pouco glamourosa, é resistente à substituição e gera fidelização. Uma vez implantada, dificilmente será trocada.
Existe ainda uma camada determinante: a infraestrutura exigida por traders sofisticados para operar nesses mercados.
Hoje, o público dos mercados de previsão é majoritariamente formado por operadores de varejo e entusiastas. Com o amadurecimento e a atração de capital institucional, quants e traders algorítmicos, as demandas crescem consideravelmente. Esses profissionais exigem não apenas acesso aos mercados, mas uma gama completa de ferramentas que instituições financeiras consideram padrão.
Traders sofisticados buscam automação de estratégias em múltiplos mercados. Para isso, são necessários APIs, infraestrutura de execução e plataformas de bots desenvolvidas para mercados de previsão. Alguém vai criar o Zapier ou o Make.com dos mercados de previsão, permitindo que operadores avançados montem estratégias complexas, executem coberturas e gerenciem riscos sem programação. Melhor ainda, será possível construir infraestrutura para quants profissionais realizarem tudo isso de forma eficiente.
Com múltiplas posições em diferentes mercados de previsão, traders precisam de ferramentas avançadas para monitorar, analisar e entender sua exposição. Qual o risco líquido em eventos políticos? Quais as correlações entre posições? Qual a proteção ideal? Essas são perguntas de instituições que gerenciam milhões de dólares — e não de traders de varejo. A primeira plataforma a oferecer análise de dados de portfólio institucional para mercados de previsão conquistará boa parte do capital relevante.
Antes de alocar recursos, investidores institucionais querem testar estratégias com dados históricos de mercados de previsão. Esses dados, porém, ainda não estão organizados nem disponíveis em formato prático. Empresas que criem estruturas robustas de backtesting serão essenciais, fornecendo dados limpos e simulando microestrutura de mercado de forma realista. A integração fácil com ferramentas de pesquisa é fundamental. Essa será a base da infraestrutura para a comunidade quant nos mercados de previsão.
Traders profissionais sabem que operar mercados exige mais do que acertar previsões. É preciso compreender liquidez, detectar ineficiências e identificar fluxo informado. O timing para entrada e saída é crucial. Com o avanço dos mercados de previsão, cresce a demanda por ferramentas de inteligência de mercado em tempo real. Análise de dados de microestrutura é valiosa, mapas de calor de fluxo de dinheiro inteligente ajudam, alertas para atividades atípicas são essenciais, e ferramentas de identificação de distorções de preço fazem a diferença. Trata-se de recursos avançados, similares aos do Bloomberg Terminal, adaptados para mercados de previsão.
Traders sofisticados querem operar em múltiplos mercados simultaneamente. Alguém vai criar uma plataforma capaz de agregar livros de ordens de Polymarket, Kalshi e todos os demais mercados, permitindo execução de ordens em diferentes ambientes com um único clique. É o cenário ideal para formadores de mercado e infraestrutura crucial para aumentar a eficiência do ecossistema.
Essa infraestrutura voltada ao trader é tão estratégica quanto a do lado do mercado. Essas ferramentas são indispensáveis para a adoção institucional. Com o ingresso do capital institucional, tornam-se essenciais. Empresas que construírem essa camada vão capturar valor diferente dos operadores de plataformas, com potencial de defesa e escalabilidade superior.
Considere as rodadas de investimento recentes dos líderes do setor. Kalshi alcançou uma valuation de US$5 bilhões. Polymarket atingiu pós-investimento US$9 bilhões, após aporte da Intercontinental Exchange, controladora da New York Stock Exchange.
São saltos relevantes. Poucos meses antes, Kalshi havia captado com valuation de US$2 bilhões; Polymarket estava avaliado em US$1,2 bilhão no início de 2025. Em questão de meses, esses números subiram entre 2,5x e 7x.
E surge a dúvida para os fundos de venture capital: quanto potencial adicional ainda existe?
Com valuations tão altos, os múltiplos de saída ficam restritos. Se Kalshi ou Polymarket chegarem a US$50 ou US$100 bilhões, será um retorno significativo, mas não extraordinário, partindo de US$5 ou US$9 bilhões. Além disso, as plataformas viram alvo de aquisição por instituições tradicionais. Bolsas, corretoras e bancos estão atentos. Uma venda para ICE, CME ou uma grande corretora, com múltiplo de 2 a 4x sobre as valuations atuais, é perfeitamente possível — mas não representa os retornos exponenciais buscados por fundos de venture capital.
Agora compare com infraestrutura. Um provedor de oráculos, plataforma de análise de dados ou camada de execução entre mercados que se torne essencial pode gerar retornos sobre todas as plataformas, traders e instituições do ecossistema. O valuation inicial é menor, mas o potencial de escala é genuinamente ilimitado.
Eis a realidade: fundos de venture capital apostam em dezenas de plataformas na esperança de encontrar o próximo Polymarket. É uma aposta de power law. A maioria fracassa. E mesmo as que vencem podem criar pouco valor se fragmentarem e canibalizarem a liquidez.
As apostas em infraestrutura apresentam perfil de risco distinto. Um provedor de oráculos não depende de qual plataforma é usada — ele ganha em qualquer cenário. Plataformas de análise de dados se valorizam à medida que mais mercados surgem. Infraestrutura não precisa escolher vencedores, basta ser útil para todos.
Além disso, infraestrutura geralmente é protegida por vantagens em dados, efeitos de rede ou profundidade técnica, e não apenas por maiores investimentos.
Se você analisa pitches focados em criar novas plataformas com melhor UX ou nichos pouco explorados, questione: Como será construída a liquidez? Qual a rota para lucro diante da fragmentação e concorrência? Quantas entre várias plataformas realmente prosperam? E, acima de tudo, qual o múltiplo realista de saída após captar mais de US$100 milhões?
Ao olhar para oportunidades de infraestrutura, o perfil de risco e retorno é outro. Construa a camada de dados, integração entre mercados, mecanismos de liquidação, análise de dados para traders e plataformas de inteligência. Esses negócios crescem junto com o mercado, sem competição direta. Ganham com a expansão do setor, não sofrem com ela. Oferecem o potencial de upside que os fundos realmente buscam.
O ecossistema de mercados de previsão ainda está em fase inicial. Isso representa um universo de oportunidades. Mas o foco não deve ser em replicar o que Polymarket já faz, e sim em construir a base que permitirá o funcionamento eficiente do ecossistema inteiro.
As plataformas vão disputar espaço. A infraestrutura será o motor do crescimento.